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Mensagem do Capelão Militar (Padre Lucas) - AO SOLDADO DESCONHECIDO

  • Publicado: Segunda, 06 de Novembro de 2023, 16h22
  • Última atualização em Terça, 07 de Novembro de 2023, 10h50

 

"Façamos o elogio dos homens ilustres, que são nossos antepassados, em sua linhagem.

Todos eles adquiriram fama junto de seus contemporâneos, e foram a glória de seu tempo."

cf. Livro do Eclesiástico 44, 1.8

 

Suplicantes, rogamos ao Bom Deus que abençoe superabundantemente os integrantes da Manobra Escolar 2023.

Que nos seja dado constatar, sob o orvalho cristalino das bençãos eficazes de Deus, a segurança das Armas, Quadro e Serviço, bem como a sua integração na consecução almejada dos objetivos esperados e no adestramento profissional eficiente das tropas. Quando Deus e o homem de farda trabalham em perfeita sinergia, esperamos a ordem e o progresso.

Feita esta prece indispensável, reflitamos acerca do propósito do dia 2 novembro, data originalmente cristã, dedicada à Comemoração dos Fiéis Defuntos. Para nós, não é “dia de finados”, dos que chegaram ao "fim" (do verbo latino finire). Para nós, é dia dos Fiéis Defuntos (defunctis fidelis), ou seja, daqueles que terminaram santamente certas "funções", mas ainda subsistem na eternidade afora.

Sempre foi hábito de caridade da Santa Igreja, desde quando os Apóstolos ainda viviam, celebrar o sacrifício redentor de Cristo, a Santa Missa, junto às catacumbas dos mártires da fé e, muitas vezes, mantendo seus corpos santos e suas relíquias sagradas bem guardados sob a lápide dos altares episcopais, assim consagrados; costume santo e piedoso, enraizado na cultura judaica, muitos séculos antes de Cristo. De fato, sacrifícios e orações eram periodicamente oferecidos no Templo de Jerusalém para que os fiéis, inclusive os soldados mortos em combate, obtivessem a misericórdia no juízo do Eterno e a pronta remissão das penas temporais de seus pecados. Há indicios que entre os gregos, os espartanos e toianos o cuidados dos mortos também se conjugava com rituais religiosos de alto padrão racional. ​As culturas ocidentais não tardaram em reconhecer e ordenar, nesta atitude de peso histórico e valor humanístico indiscutiveis, o dever de cultuar a memória dos soldados mortos nos campos de batalha, desde a remota antiguidade clássica, passando pelas eras antiga, medieval e moderna, e forjando a pujante tradição de nossos dias.

Desta forma, em todos os países civilizados, facilmente encontramos, em dias atuais, um exemplar do “Túmulo do Soldado Desconhecido”, denominação do monumento patriótico erigido para honrar os soldados, a pedido dos inumeráveis patrícios agradecidos. O anonimato do mármore silencioso e a fixidez dos bronzes esculpidos em tais monumentos detêm o poder de evocar e simbolizar os numerosos corpos ,ilitares que não puderam ser resgatados a tempo ou cuja identificação tornou-se inviável ou impossível.

​O primeiro desses memoriais conhecidos na era moderna é o da Frederícia, na Dinamarca. Outro arcaico monumento é o Memorial ao Soldado Desconhecido, da Guerra Civil Americana (1861-1865), inaugurado enquanto nós, no Cone Sul, apenas começávamos a Guerra da Tríplice Aliança. E foi um ato do Reino Unido que firmou este sereno costume para as sociedades atuais, quando, na Abadia de Westminster, em 1920, sepultaram os despojos mortais de um combatente desconhecido da Primeira Guerra Mundial, lídimo representante dos exércitos combatentes do império britânico.

Dos cemitérios militares, colhemos esta inolvidável lição de respeito à dignidade de quantos selaram o holocausto de suas vidas no altar do dever e não tiveram a ventura de ser sepultados em túmulos normais e acessíveis a familiares e visitantes. Lê-se, em forma de eco histórico da justa gratidão, nas muitas pedras e bronzes artisticamente trabalhados os seguiintes dizeres: “Aqui repousa, em glória honrada, um soldado conhecido apenas por Deus”. Sim, “em glória honrada”, pois Deus, conhecendo cada filho, jamais lhe perde de vista, porque é o Bom Pastor que conhece suas ovelhas, por nome e semblante.

Papel similar exerce, em nossos dias, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx), no trato de nossos museus, pois vivem a custodiar a história militar nacional, como sentinela permanente de nossa cultura, notadamente os heroicos vultos do passado nacional.

Quem já teve a ventura ímpar de servir na imensa Guarnição do Rio de Janeiro, onde se concentra o maior número de sítios históricos das Forças Armadas e onde quase tudo remete à história política e cultural de nosso Brasil, sabe o quão significativo é o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, ali carinhosamente chamado de Monumento aos Pracinhas, localizado no Parque Brigadeiro Eduardo Gomes. Lá, uma urna em sua base contém os restos mortais de vários soldados que provavelmente jamais serão identificados. Os despojos mortais que ali repousam estiveram outrora sepultados em Pistóia (Itália), local ainda abençoado e visitado por nossos militares, em viagens memoráveis.

Este respeito contínuo pela memória dos combatentes de guerra tem a potência de reacender em nós, com a rapidez dos milésimos de segundo, aquela centelha de fé e a convicção plena de que os grandes ideais sempre provocam, ao produzir em nós o senso de pertencimento. Este respeito memorial abre o túmulo de nossas lembranças e ressuscita valores, fazendo reaparecer os feitos heroicos dos soldados fieis perante o olhar de nossa convicção e nossos afetos.

Que Deus conceda o prêmio dos justos a todos quantos exerceram a profissão das armas na jovem Terra de Santa Cruz colonial, aos que tombaram em favor do glorioso e próspero Brasil imperial e a quantos tiveram suas vidas interrompidas pela foice da morte nesta atual e sofrida nação republicana. Ademais, que a morte corporal, a melhor e mais indomável força democrática de todos os tempos, capaz de igualar pobres e ricos, nobres e plebeus, escravos e livres, homens e mulheres, crianças e idosos, seja, nestes próximos dias, considerada por todos nós nos mesmos moldes de São Francisco de Assis, que assim exclamava: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual nenhum vivente pode escapar”.

Deus abençoe nossa digna profissão, fortifique nossa saúde, defenda-nos do perigo de uma morte repentina e prolongue nossa vida a serviço da Pátria, concedendo-nos, no dia feliz e longinquo, uma santa e venturosa morte. Amém.

 

DEUS SEJA SEMPRE LOUVADO

 

Padre UYRAJA LUCAS MOTA DINIZ

Capelão da Academia Militar das Agulhas Negras

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